Trabalhos: A Flauta Mágica de Mozart

in "Rebeldia", no. 5, Grémio Rebeldia, Lisboa, Maio de 1989

A última ópera de Mozart, musicada entre Março e Setembro de 1791 - no próprio ano da sua morte - tem como título "A Flauta Mágica" (Die Zauberflöte).

Se a música tem sido reconhecida por todos como de superior qualidade, contando-se entre as melhores óperas de Mozart, já as opiniões sobre o libreto se mostram muito variadas. Uns acham-no disparatado e incoerente; outros vêem nele algo que não lhes é compreensivo. Goethe entendia "que era preciso muito mais conhecimentos para compreender o texto do que para sorrir dele"; acrescentando, "é suficiente que a multidão encontre prazer com a visão do espectáculo; aos iniciados não escapará, ao mesmo tempo, o seu alto significado".

João José Alves Dias

A ópera de Mozart tem duas partes, uma cantada e a outra declamada. As partes fundamentais para a sua compreensão são predominantemente as faladas, o que é teatralmente lógico, pois, por melhor que seja a dicção dos cantores, torna-se mais fácil ao público entender um texto declamado. O que acontece é que esses textos são normalmente eliminados ou mutilados, já que muitos cantores não gostam, ou não sabem declamar. Mas há ainda outra razão para os cortes. É que, tanto Mozart como Schikaneder - o autor principal do texto do libreto - pertenceram à Maçonaria, e nessas partes defendem muitos dos seus ideiais.

O objectivo deste trabalho é mostrar que a chave para a compreensão de Die Zauberflöte reside nos seus elementos maçónicos. A construção e estrutura do libreto foram decalcados da organização da Maçonaria.

Para começar vejamos, em resumo, o argumento da ópera:

Argumento

Introdução
A acção passa-se nos reinos da Noite e do Dia. Ao morrer, o pai de Pamina confiou a sua educação e a fonte do poder - o círculo solar das 7 auréolas (representando o sistema solar conhecido no séc. XVIII, a cuja imagem e semelhança é composta uma loja maçónica) - a Sarastro, um velho amigo e chefe de uma ordem iniciática humanitária. Sua mulher, furiosa por perder o controle do círculo solar, transformou-se na Rainha da Noite, recusando entregar a filha e forçando assim Sarastro a raptá-la, a fim de que o desejo do pai seja cumprido e Pamina possa alcançar um grau superior de Sabedoria.

Primeiro acto
Tamino, príncipe japonês, perde as flechas enquanto caça. Perseguido por uma gigantesca serpente e sem armas, desmaia com medo. Acodem três damas veladas que matam a serpente com espadas de prata. Maravilhadas com a beleza do jovem, correm a contar o sucedido à Rainha da Noite - sua suserana - deixando o príncipe só.

Voltando a si, Tamino vê a serpente morta e encontra Papagueno (rapaz que caçava pássaros na floresta e os vendia à Rainha da Noite) que se gaba de ter sido ele quem matara a serpente. Porém, é logo castigado pelas três damas que voltam e entregam a Tamino um retrato da jovem Pamina. Preso de amores pela retratada, Tamino é informado do rapto por um "tirano e cruel mágico" - Sarastro - que a tem prisioneira nos seus domínios.

Ao saber da vontade de príncipe de libertar a prisioneira, a Rainha faz a sua aparição, anunciada por uma terrível trovoada. Promete ao jovem a mão da filha, se a conseguir libertar. Dá-lhe então uma "flauta mágica" que o ajudará na missão. Também Papageno ajudará o Príncipe, recebendo um conjundo mágico de campainhas. Ambos os instrumentos têm o poder de acalmar os seres vivos e de provocar a felicidade. Surgem então três jovens, criaturas do ar, que os guiarão até aos domínios do Sarastro.

Simultaneamente, nos domínios de Sarastro, Monostatos, o mordomo negro, ordena que Pamina seja amarrada, pois tentara fugir. A prisioneira pede clemência, desmaiando depois. Monostatos tenta aproveitar-se da situação para a violar, mas a proximação de Papageno - que anda à procura do reino de Sarastro - impede o intento. Monostatos vê em Papageno o diabo, e outro tanto sucede com o passarinheiro, cada um fugindo do outro.

Pamina desperta e é informada por Papageno que sua mãe lhe mandou um salvador. Partem os dois ao seu encontro.

Tamino aproxima-se de um bosque sagrado onde estão três templos (o do centro tem inscrito Sabedoria, o da direita Razão e o da esquerda Natureza), quiado pelos jovens que lhe dizem para ser persistente, paciente e silencioso, pois com estas virtudes vencerá.

Tamino dirige-se ao Templo da Razão, onde uma voz lhe recusa a entrada. Tenta o Templo da Natureza, onde lhe sucede o mesmo. Do Templo da Sabedoria sai então um sacerdote que lhe pergunta o que procura. Tamino responde que busca o Amor e a Virtude. O sacerdote diz-lhe que nunca os encontrará com o coração cheio de ódio. O Príncipe pergunta então como pode um ditador, um tirano, um monstro enfim, que rouba uma filha à sua mãe, reinar no Templo da Sabedoria. Mas o sacerdote recusa-se, por razões de obediência a um juramento prestado, a adiantar mais sobre o assunto.

O som dos dois instrumentos guia Papageno e Pamina ao encontro com Tamino. Porém, serve também de indicação a Monostatos que continua em perseguição da Princesa. Devido ao encanto provocado pela música, não consegue alcançá-los. É meio-dia, hora a que chega Sarastro para os trabalhos, vindo da caça. Pamina corre para ele, contando a sua tentativa de fuga.

Entra Monostatos que, no entretanto, prendera Tamino. Tamino e Pamina encontram-se pela primeira vez, jurando um ao outro amor eterno. O Mordomo pede uma recompensa, mas Sarastro castiga-o com bastonadas, pois sabe quais eram os seus pensamentos acerca de Pamina. O Rei da Sabedoria ordena então que aos dois intrusos - Tamino e Papageno - sejam postas vendas e conduzidos ao local das provas a fim de, por elas, serem purificados.

Segundo acto
Sarastro pede aos seus "irmãos" que autorizem a iniciação de Tamino.

Tamino e Papageno são interrogados por dois dignatários sobre a finalidade dos seus intentos. O Príncipe declara que vem à busca do Amor, da Amizade e da Sabedoria. Papageno, pelo contrário, só deseja uma companhia. Os sacerdotes exortam-nos a observar o mais rigoroso silêncio e a desconfiar das manhas femininas. Aparecem as três damas da Rainha da Noite que tentam seduzir os dois jovens e impedi-los de cumprir o prometido. Tamino resiste. Mas Papageno sente-se cada vez mais amedrontado.

Monostatos tenta novamente atacar Pamina, enquanto esta dorme, mas é impedido pela chegada da Rainha da Noite. Mas a rainha não a pode libertar, por seu marido apenas lhe deixou bens materiair, entregando os espirituais a Sarastro - o círculo solar. A Rainha da Noite pede então à filha que mate o Rei da Sabedoria (dando-lhe para isso um punhal) e que lhe tire o símbolo da Sabedoria. Se não o fizer, será renegada e amaldiçoada pela própria mãe. Monostatos, que ouvira toda a conversa, tenta dominar Pamina com a ameaça da denúncia. Chega Sarastro que o expulsa do seu reino. Monostatis irá aliar-se com a Rainha da Noite, a fim de obter a mão de Pamina.

Tamino e Papageno iniciam as suas provas. Papageno falha. Tamino é bem sucedido e prossegue nas provas. Papageno viverá para o futuro sem alcançar as alegrias reservadas aos iniciados.

Os três jovens que guiaram Tamino cantam a vitória da Aurora sobre a Noite e do Homem sobre a Superstição.

Tamino aproxima-se de um desfiladeiro, entre duas altas montanhas que abrigam as cavernas da Água e do Fogo. Surge Pamina (que entretanto enfrentara a Noite e a Morte) que o guia, enquanto ele toca a flauta mágica. Conseguem vencer a água e o Fogo e, ao sairem vitoriosos, os sacerdotes convidam-nos a entrar no Templo.

Papageno, desolado por não conseguir encontrar uma companhia, tenta enforcar-se, no que falha também. Com a ajuda das campainhas mágicas encontra finalmente a sua Papagena.

O Templo de Sarastro é então atacado pela Rainha da Noite ajudada por Monostatos. A luz do Templo, porém, vence-os. A Rainha e o seu séquito são lançados para a noite eterna. Sarastro evoca os raios do Sol que expulsaram as trevas. Os Sacerdotes dão graças a Ísis e Osíris, exaltando a vitória e a eterna realeza dos tr&eacite;s pilares que sustentam o Templo: a Força, a Beleza e a Sabedoria.

Observemos agora a ópera no seu conjunto - música, libreto e representação - e tentemos desmontar as partes da iniciação maónica.

Os trés acordes iniciais da abertura da ópera não são mais do que as três simbólicas pancadas do malhete do Venerável mestre quando dá início aos trabalhos.

Vejamos como se processa a iniciação maçónica e a de Tamino:

1 - Contacto com a Sindicância
Conhecido o desejo do "aspirante" - aspirante à luz, ou neófito - de ingressar na Maçonaria, dá-se começo ao processo preliminar, cuja condição primeira é que haja um abonador do candidato, que o deverá conhecer ou descobrir quais são os seus intentos, ao pedir para entrar na Ordem.

Na ópera, Tamino deseja entrar num dos três Templos. Quando se dirige à porta do Templo central, aparece um "irmão" - ou sacerdote - que estabelece com ele o seguinte diálogo:

    "Sacerdote - Oh estrangeiro ousado, que queres tu daqui? Que procuras tu neste lugar sagrado?

    Tamino - Vim procurar a Virtude e o Amor."

    (Feito o contacto, começa o interrogatório)

    "S. - Palavras dignas de ouvir! Somente como é que tu as encontrarás! Enquanto a Morte e a Vingança arderem dentro de ti, o Amor e a Virtude não te guiarão.

    T. - Vingança só para o feiticeiro.

    S. - Não o encontrarás junto de nós.

    T. - Reina Sarastro nestas terras?

    S. - Sim! Sarastro reina aqui.

    T. - Mas não é este o Templo do Saber?

    S. - Ele reina no Templo do Saber!

    T. - Então tudo é feitiçaria aqui.

    Prepara-se para sair

    S. - Já te vais retirar?

    T. - Sim. Vou partir, alegre e livre!

    S. - Devo esclarecer-te, tu não sabes a verdade!

    T. - Sarastro reina aqui; para mim, já é bastante.

    S. - Se prezas a tua vida, responde, não te vás. Odeias Sarastro?

    T. - Odeio-o eternamente.

    S. - Mas que motivos tens?

    T. - Ele é desumano, é um tirano.

    S. - Estás seguro do que dizes?

    T. - A dor num rosto de mulhes, que outras provas devo ter?

    S. - Então uma mulher enganou-te. Uma mulher faz pouco e fala muito. Tu, jovem, dás crédito às más línguas? Deves ouvir tu mesmo, pela boca de Sarastro.

    T. - Que mais preciso de saber? Que crueldade tão selvagem, capturar Pamina, à força, dos braços de sua mãe!

    S. - É certo, nisso tens razão.

    T. - Mas dize: onde está ela? Talvez já não se encontre viva?

    S. - Espera um pouco, meu rapaz. Dizer-to já não poderei.

    T. - Há um enigma? Conta lá.

    S. - Fiz voto de guardar silêncio.

    T. - Quando será que me elucidas?

    S. - Por uma mão amiga tu serás levado ao Templo, já vais ver.

    T. - Oh noite eterna, quando te desvanecerás? Quando é que os meus olhos encontrarão a luz?

    Coro - Já, em breve, ou jamais."

2 - Início da Iniciação
Depois de uma primeira votaç:ão entre os elementos da Loja, o neófito é conduzido ao Templo. São lhe vendados os olhos com um véu negro e é guiado até à Câmara escura, símbolo do estado de espírito do candidato que, da vida até aqui passada na escuridão, vai ingressar na Luz e na verdadeira Vida, que é a vida maçónica.

Por isso, na ópera, Tamino pergunta:

    "- Oh noite eterna, quando te desvanecerás? Quando é que os meus olhos encontrarão a Luz?"

O candidato é então levado à porta do Templo onde se repetem quase as palavras de Tamino à mesma porta:

    "Guarda interno - Quem tem o temerário arrojo de querer forçar a entrada deste Templo?

    [...}

    Irmão Terrível - [...] Sou eu que venho apresentar a esta Augusta Loja um profano que encontrei errante.

    Venerável - [...] Quem é ele? O que pretende?

    Irmão Terrível - Deseja ser admitido no grémio da nossa Augusta Ordem.

    Venerável - E como pôde ele conceber tal esperança?

    Irmão Terrível - Porque presta culto à Virtude e é de bons costumes."

    (Aqui o candidato já presta culto à Virtude. Tamino ainda estava numa fase anterior - vinha procurar a Virtude)

Tal como na ópera, em que são nomeados dois sacerdotes para ajudarem Tamino e Papageno nas provas a que vão ser submetidos, também na cerimónia de iniciação maçónica são nomeados dois Mestres - os irmãos Expertos - que os vão dirigir nas viagens simbólicas.

Vejamos a ópera:

    "Sarastro - Introduzi ambos os estrangeiros no nosso Templo das provas. E cobri as suas cabeças. Primeiro, devem ser purificados."

Na Maçonaria:

    "Venerável - Meus Irmãos, conduzi o recipientário fora do templo e fazei-o seguir o caminho escabroso, que têm de trilhar todos os temerários que ousam profanar este recinto."

O coro canta então na ópera:

    "- Quando a Virtude e a Justiça forem acreditadas por um grande caminho, então será a Terra o reinos dos Céus, e serão os mortais iguais aos deuses.

    Sarastro - Servos dos poderosos deuses Osíris e Ísis! A nossa reunião de hoje reveste-se da maior importância: o príncipe Tamino encontra-se à porta do nosso Templo e espera alcançar, com virtuosos propósitos, o que nós todos, com tenacidade e esforço, procuramos atingir. A partir de hoje, o nosso maior dever será ajudá-lo com amizade na obtenção do que pretende."

É feito então um relatório, onde se exporão as qualidades do novo candidato. Acerca de Tamino responde-se assim na ópera:

    "1º Sacerdote - Ele tem virtude?

    Sarastro - Virtude.

    2º Sacerdote - Sabe manter-se calado?

    Sarastro - Calado.

    3º Sacerdote - Pratica o Bem?

    Sarastro - Pratica o Bem."

Também na cerimónia de iniciação é advertido de que essas qualidades têm de ser defendidas por um maçon:

    "Venerável - Deve saber que toda a sociedade tem leis particulares por que se rege e que todos os associados têm deveres a cumprir [...]. O primeiro é um silêncio [...]. A segunda das obrigações [...] é a de vencer as paixões ignóbeis [...], a de praticar constantemente a beneficência."

Na ópera, Sarastro continua:

    "Bom, se o acham digno, sigam o meu exemplo... (vota favoravelmente, no que é seguido por todos).
    Agradeço o vosso assentimento. Os deuses escolheram a gentil e virtuosa Pamina para acompanhar o nosso jovem amigo; foi por esta razão que a raptei à sua mãe orgulhosa.

    1º Sacerdote - Poderoso Mestre! Poderá Tamino lutar contra as duras provas que o esperam? Lembra-te de que é um príncipe.

    Sarastro - Muito mais: é um homem. Conduzi Tamino e o seu companheiro ao átrio do Templo e ensinai-lhe a conhecer o poder dos deuses.

    Oh Ísis e Osíris dá teu saber e luz ao novo par! Tu, que os guiastes na jornada, dá-lhesforças e paciência na hora do perigo.

    Coro - Força e paciência na hora do perigo.

    Sarastro - Dá-lhes o prémio das provas. Porém, se tiverem de morrer, sua virtude recompensa, dá-lhes a paz na eternidade, dá-lhes a paz na eternidade."

Na cerimónia:

    "Venerável - [...] Veneremos o grande princípio criador, empenhemo-nos em cumprir a missão que ele nos confiou! Digna-te, ó Poder imenso que a mente do homem não sabe compreender, conservar a paz e a fraternidade entre todos os obreiros, aqui reunidos [...] e inspira a este novo candidato, que deseja ardentemente partilhar os dons inefáveis dos nossos mistérios sublimes, a coragem e a perseverança para que não sossobre no rude combate que vai empreender!

    Sr... o seu coração está cheio de confiança?

    Profano - Está.

    Venerável - Sendo assim deixe-se encaminhar pela mão que o dirige e nada receie."

Voltemos à ópera. Antes de começarem as provas de Tamino, é-lhe feito novo interrogatório:

    "Orador - Estrangeiros, que procurais entre nós? Que vos traz junto dos nossos muros?

    Tamino - Amizade e Amor.

    Orador - Estais preparados para obtê-los, mesmo com a vida?

    Tamino - Sim.

    Orador - Submeteis-vos a todas as provas?

    Tamino - A todas.

    Orador - Dái-me a vossa mão."

3 - As provas
Iniciam-se então as provas de iniciação. O neófito é conduzido ao longo de um caminho onde encontrará diversos obstáculos. Porém, tem de ter força e coragem para os conseguir vencer.

Na ópera, o primeiro obstáculo consistem em não romper o silêncio mesmo que, no caminho, se encontre a pessoa amada ou outra qualquer mulher.

Terminada a primeira "viagem", inicia-se a segunda, lembrando-se ao candidato que a Sinceridade, a Coragem e a Amizade vencem todos os obstáculos.

    "Orador - Tamino! A tua persistência venceu. Mas ainda tens um longo caminho muito perigoso para trilhar."

Inicia-se então a segunda prova. Durante ela, o Venerável do Templo e o 1º e 2º Vigilantes podem esclarever alguns dos objectivos da Maçonaria, os princípios que dentro dela guiam os homens e que os devem guiar no Mundo.

    "Sarastro - Aqui no Templo sagrado não se conhece a vingança e quando um homem cai o Amor condu-lo ao dever, porque entra pela mão de um amigo, contente e alegre, numa terra melhor!

    Dentro destes muros sagrados onde os homens amam os homens, não pode existir a Vingança, porque se perdoa ao inimigo. E quem não se alegra com tains ensinamentos não merece ser homem.

    Coro - Oh Ísis e Osíris! Oh! que glória! A noite vem e a luz do Sol já finda. O jovem sente uma nova vida; ei-lo em breve convertido, audacioso, de alma pura. Muito em breve será já digno de nós."

Se observarmos o ritual maçónico, verificamos que, durante a iniciação, se dá a purificação do candidato pela Terra, o Ar, a Água e o Fogo. O mesmo acontece na ópera. Tamino, já com a ajuda de Pamina, prepara-se para receber a purificaç:ão desses elementos.

    "Os dois Homens - Quem caminhar por esta estrada perigosa, vencerá o Fogo, a Água, o Ar e a Terra. Será purificado e, se a morte não teme, da terra pode bem subir ao céu; de luz replecto, poderá, enfim, a Ísis e seus mistérios se consagrar.

    Tamino - Nada receio, nem mesmo a morte! Pela Virtude sou conduzido. Abriram-se-me as portas do terror. Desvendarei o seu mistério com alegria."

Está concluÍda a última viagem. O neófito recebe então a Luz. No Templo tudo é alegria.

    "Sarastro - O Sol com seus raios, a noite desfaz! A força dos falsos perdida está.

    Coro - Vivam os eleitos! Vivam os eleitos! Arautos da Luz, arautos da Luz, graças, graças, graças a Osíris! Graças, graças a Ísis vamos dar. Venceram os fortes, venceram os fortes, iremos brindar os justos e os sábios, os justos e os sábios iremos brindar. Brindar, brindar e coroaos, brindar e coroar."

Tamino recebe a luz. Como diz o ritual maçónico, "não só a luz física, a que fere a vista, mas a luz moral, aquela que esclarece o espírito e vivifica a consciência."

O simbolismo representado pelas personagens da ópera

Rainha da Noite - é, no início da ópera, apresentada como o Templo da Virtude, simbolizada pela boa mãe que chora a filha raptada. Aparentemente, tudo faz para a salvar. Em última análise, só deseja o círculo solar para poder reinar sobre a Luz. Apesar de toda a sua aparente virtude, ela é apenas rainha nas trevas. Quando se encontra com Pamina, já só quer que a filha mate Sarastro, dizendo que a renega se ela não o matar. Por fim tenta ainda, com o mau Monostatos, impedir a iniciação de Tamino e o recebimento de Pamina na Sabedoria. Porém, a Luz vence-a. Na sua última ária, a mais difícil, canta: "disperso, quebrado, o nosso poder. À noite eterna nos vão condenar". Simboliza, claramente, as instituições reaccionárias e subversivas, sobretudo a Igreja do seu tempo.

Sarastro - é, no início da ópera, apresentado como um tirano, um demónio mau, que rouba a filha à sua mãe. Apesar de ser assim apresentado, é ele quem reina na Sabedoria que resulta da Luz. Todos os seus actos são justos. Não castiga senão os que têm más intenções (caso de Monostatos). No fim, é adorado por Tamino como um deus. Simboliza, obviamente, a Maçonaria.

Tamino - representa o Homem do Mundo. Acredita na Rainha da Noite e jura defender os seus ideais. Não há dúvidas no seu espírito de que ela é virtuosa e de que Sarastro é um tirano. Porém, é um Homem que procura a Virtude. Ao longo do percurso, a sua opinião vai mudar. Para isso foi necessária uma conversa com um elemento da Ordem, que lhe fez ver um pouco como eram, na verdade, as coisas, e que tudo o que parece simples e claro por vezes assim não o é. Depressa se apercebe de que a Verdade está no reino da Luz. Ao longo das viagens, aparecem-lhe as três aias da Rainha para o advertirem de que caminha para a perdição:

    "Tamino, tu estás perdido! Já te esqueceste da rainha. Não ouviste o que dizem, que tudo aqui é falsidade?"

Ao que responde: "Ouvir o povo fica bem, mas crer em provas é melhor".

Advertem-no ainda:

    "Tudo aqui é falsidade. E quem a eles se unir irá para as trevas do inferno".

Tamino, porém, já não lhes liga importância e aconselha Papageno a não ligar a histórias de mulheres.

Tamino por fim recebe a Luz. Sarastro que era um feiticeiro, é agora adorado como um deus. Já não é o Tirano mas o Homem justo e amigo.

Pamina - representa um percurso semelhante ao de Tamino. Primeiro, quer fugir de Sarastro para os braços da mãe. Mas reconhece que ele é justo e por isso lhe conta sempre a verdade. Aquando do encontro com a mãe, duvida já das boas intenções desta e não lhe obedece. Consegue vencer as trevas - a Rainha da Noite. E, como diz Tamino, "mulher que a noite e a morte não receia é digna de entrar no Templo". A Luz também venceu. Pamina, como filha da Rainha da Noite e do Rei do Dia - pois seu pai detinha o círculo solar -, representa também a Humanidade que apenas espera a chegada de diferentes Taminos que a levem para a Luz. Representa os que recebem o produto do trabalho daqueles que foram iniciados, e que procuram trabalhar para combater a ignorância, os preconceitos e as injustiças, glorificando a Justiça, o Trabalho, a Verdade e a Razão.

Papageno - tinha já conseguido bastante libertação material; enquanto sua mãe era uma escrava da Rainha da Noite, ele era um trabalhador livre que caçava pássaros para lhos vender. Sofre, como Tamino, as provas de iniciação, mas falha em todas. É profundamente bom, interessa-se pela sorte dos Homens, enquanto indivíduos na adversidade. Porém não tem coragem para pensar, e não lhe interessa nada do novo mundo que pode alcançar. Os seus valores são: a alegria no trabalho, a comida e a bebida, o amor da companheira e a procriação. Representa aqueles que respeitam a Rainha da Noite e por isso não querem fazer perguntas, porque as respostas poderiam contrariar essas explicações iniciais. O Orador diz-lhe: "Homem, tu merecias errar eternamente nas cavernas obscuras do fundo da terra. Mas os deuses piedosos perdoam-te o castigo. No entanto, não terás as alegrias celestes reservadas aos iniciados".

Monostatos - é uma daquelas pessoas que entram para as organizações para obter proveitos pessoais e, se os não conseguem (neste caso a posse de Pamina), estão prontos a trair a causa e a aliar-se com os antigos inimigos.

Como vimos no início do argumento, a acção passa-se nos reinos da Noite e da Luz. Temos assim, ao longo de toda a ópera, uma graduação de intensidade das Luzes sobre cada personagem: Sarastro, o que pode pedir a projecção dos raios do sol para desfazer as trevas; os sacerdotes, que já as tinham recebido havia muito e por isso facilmente sabiam separar o "trigo do joio"; os três rapazes, que anunciam a chegada da Aurora sobre a noite; Pamina, que vive no reino da Luz mas que ainda a não conhece; Tamino, que a procura e a recebe na companhia de Pamina; Papageno, que não tem força nem persistência para a receber; Monostatos, que já a recebeu mas que a não compreendeu e que, por isso, volta para o mundo das trevas; as três damas, que são boas mas que, por serem mulheres (é preciso pensar que estamos no século XVIII), ainda não têm condições para receber a Luz (Pamina é a excepção pois representa a Humanidade). Ao longo de toda a ópera se faz menção da falsidade da mulher. A Rainha da Noite, por último, nunca conseguirá receber a Luz pois esta significará sempre a sua destruição.

A Flauta Mágica procura fazer o paralelismo entre a Maçonaria e as instituições que se julgam na razão e, que por isso, condenam todos os que querem ter liberdade de pensar (lembremos que as damas da rainha advertem Tamino de que, se ele continuar na busca da Luz, irá parar ao inferno). Essas instituições, porém, vivem nas trevas e na obscuridade continuarão a viver.

A Luz venceu. A Luz vencerá. É o lema que se pode tirar desta ópera.

(Se o leitor puder, passe por um clube de video, alugue o filme realizado por Ingmar Bergman sobre esta obra de Mozart - que só peca por ser cantado em sueco e não na língua original, o alemão - e reveja-o, agora com outros horizontes).

Bibliografia

    Rio-Carvalho (Manuel), "Para uma compreensão de A Flauta Mágica" in A Flauta Mágica - Programa, Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos, E. P., 1981

    Rituaes Maçonicos, I, Ritual do Grau de Aprendiz do Rito Escocez Antigo e Aceito, Lisboa, [Grande Oriente Lusitano], Of. Tip. de J. A. de Matos, 1875.

    Schikaneder (Emanuel) - The Magic Flute / Die Zauberflöte, Libreto que acompanha a gravação da ópera dirigida por Ferenc Fricsay, editada por Heliodor, Metro-Goldwyn-Mayer Records (USA), (sobre gravação da Deutsche Grammophon Gesellschaft - 1958), 1960.

Notas:

  1. o excerto tocado nesta página foi incluído a partir do site da Grande Loja de New Jersey, F & AM (First Masonic District). Neste site estão disponíveis várias músicas compostas por Maçons.

  2. a imagem aqui apresentada encontra-se na página da Actilingua Academy.