CABO    BRANCO

Edmar Mammini

Este é o nome de um barco de pesca de bandeira portuguesa dos anos 20  (1920). Este tipo de barco é conhecido na língua inglesa como “Trawler” , não tem tradução para nossa língua. É um tipo de barco que arrasta a rede de pesca sozinho, e para tanto, dispõe de uns arcos nas suas laterais através dos quais lança, arrasta e recolhe a rede. A rede é de malha média e sua profundidade pode ser pré-determinada e possui ainda duas paravanas ou
portas de pesca que abrem a boca da rede.Foram construídos para pescar no mar do norte (Atlântico), sua meta é a pesca de Bacalhau, Arengue, Cavala e com a rede roçando o fundo, pescar Linguado ou Sola.

Esse tipo de embarcação é do tipo mais robusto que se conhece, a ponto de alguns Trawlers ingleses terem sido transformados em Corvetas na guerra de 1939/45. São feitos para agüentar mar grosso. O barco em tela é um modelo de um original e existe um similar no  Museu Naval de Lisboa e de onde provieram os desenhos. O modelo do museu é feito de madeira e é estático, ou seja, não tem condição de navegar. O barco real era um projeto inglês, construção alemã, propriedade e bandeira portuguesa. Pertencia a “Companhia Commercial e Marítima” porto de registro: Lisboa.

O original tinha 40m de comprimento; 7m de boca e 3,4m de calado; para barco de pesca , já é tipo mais para
grande do que médio, para a época era dos grandes. Possuía motor a vapor do tipo tríplice expansão, e caldeira
do tipo “Scotch” ( wet back)  e queimava carvão mineral ( hulha ou antracite) . A escolha do modelo: Ela se deu por amor a primeira vista. Visitando o museu português que fica em Lisboa  no convento dos Gerónimos, tive um impacto emocional ao ver um modelo muito bem feito e com características tão diferenciadas dos demais, a primeira vista ele é esquisito mas chama a atenção tanto pelo estilo incomum como pelas cores berrantes ou chamativas que possui.

É cheio de detalhes como nenhum outro. Ao pedir os desenhos ou plantas, fiquei abismado ao vê-la, tinha lá
todo o detalhamento necessário a se construir uma nova peça. Fiquei remanchando anos até me por a serviço para a execução da nova obra. Certo dia ao ver uma revista  francesa , me deparei com um modelo todo feito em latão, em chapa de latão repuxada, e com rebites, não  tive dúvidas, pensei com meus botões, é assim que vou fazer o Cabo Branco. Não deu outra....

O modelo está na escala de 1: 28,5 ; porque? Acredito ser uma medida portuguesa, pois nada tem a ver com
polegada e suas frações, na planta está escrito assim; ”Vapor de pesca Cabo Branco” Escala   1m =  35mm  e
isso dá essa escala. E eu fiz o modelo nessa escala. Nessa escala o modelo ficou com 1,43 m de comprimento, 25cm de boca , com um deslocamento de 18 kg, em média, devido o consumo de água e gas.

 O modelo foi todo feito em chapa de latão repuxada sobre molde de madeira, foi usada chapa de 0,45mm
de espessura, as chapas foram unidas entre si seguindo norma de construção naval real, como se fosse toda
rebitada,e de fato é.  Para a montagem, as secções que compõem o casco foram soldadas a estanho entre si,
isso com ferro de 200W (tipo machadinha) e posteriormente rebitadas e novamente aquecidas para que a solda
aderisse aos rebites, o excesso de solda foi removido com escova de aço bem macia de forma que desbastasse
o estanho sem agredir o latão.

Todo o modelo foi construído na minha oficina em São Paulo, comprado pronto, foram: as chapas de latão,
alguns perfis, o tubo da chaminé e os rebites, do mais, com exceção do manômetro da caldeira e o equipamento
de rádio controle, tudo foi feito, peça por peça, até certos perfis foram laminados ou trefilados, um deles foram
os sextavados de onde foram torneadas as porcas e parafusos, é de 2mm de chave, não existe no mercado
especializado, no Brasil o menor é 3,2 mm, na França  2,5 mm.

 Foram usados um pouco mais de 14.000 rebites na confecção do casco e cerca de 2.000 na superestrutura e
acessórios. Nas ferragens dos mastros tem cerca de 100 parafusos de 1mm (rosca  Löwenhertz) e cerca de 150
porcas de 1mm (mesma rosca) com chave de 2mm, que tiveram que ser feitos na oficina.  Os rebites na realidade
não são rebites mas contatos de relês ou de circuitos impressos, possuem um corpo levemente cônico que varia
de 0,9 a 1mm e a cabeça variando entre 1,1 e 1,2 mm de diâmetro.

Coloca-los foi uma tarefa que levou 9 meses de labuta e muita paciência. Foram estragadas 22 brocas de 1 mm
para se fazer os milhares de furos. O modelo assim como o original é a vapor, só que possui uma máquina de
simples expansão com dois cilindros, distribuição “Stephenson” válvulas a gaveta, girabrequim de duas manivelas a 90º com 6 mm de diâmetro, cilindros com 16mm de diâmetro e 16 de curso.

A caldeira é do tipo “Yarrow” com tubos cruzados e queima gás liqüefeito de petróleo. Rádio controle de 6
canais assim distribuídos: 1-leme, 2-velocidade, 3-apito, 4-luzes, 5-controle de chama da caldeira, 6- reversão
da máquina. Tanto máquina  como a caldeira foram feitos em minha oficina .O convés é de madeira  Pau-Marfim,
os mastros idem, porém em Peroba Rosa, o bote salva-vidas em Imbuía, os corrimãos, caixilhos e molduras em
Cabreuva.

O modelo possui iluminação operando em 1,5 V, que é a voltágem da menor lâmpada que existe, cerca de
metade de um grão de arroz. As que usam os relógios “Casio” digital.A pintura foi toda com Washprimer,
Primer e Tinta Nitrocelulose.O hélice em bronze, o eixo motriz em aço inox  304, túnel e retentores em latão.
Todo esse trabalho foi feito em 2 anos e 8 meses, as horas dedicadas ?, não tive a paixorra de anotar, mas
garanto que foram muitas. Cerca de 4 horas por dia de trabalho.

O nome e as cores do modelo são as  mesmas do original. Com esse modelo agora já operacional o modelismo
naval brasileiro chega a se igualar aos melhores do mundo, e em nada deixando para os demais. Existem modelos com o mesmo acabamento porém não navegam, existem modelos a vapor com a mesma qualidade de máquina, mas sem esse acabamento, que seja de meu conhecimento, não há no mundo com esse acabamento
e com esse tipo de máquina.

O modelo possui ainda um kit para transforma-lo em modelo de tração elétrica, dessa forma ele pode participar
de concursos de barco a vapor, de barco elétrico e ainda de estático, é só remover os motores. A qualidade de navegação é muito boa, aceita todas as manobras que o real faria. Tanto no vapor como na bateria sua autonomia é de cerca de uma hora, se reabastecido navega o tempo que se quiser devido a ótima qualidade
de seus maquinários. É uma verdadeira peça de museu.


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